Tônicos para o cérebro - eles realmente existem?

Tônicos para o cérebro - eles realmente existem?

07 de junho de 2022

Busca por alta performance

O dia a dia na era da informação requer habilidades cognitivas que demandam tempo, esforço e investimento ($$$). Muitas vezes, com a velocidade com que novas tecnologias chegam e a sociedade muda, essas habilidades se tornam obsoletas num piscar de olhos. E também, o mais natural dos processos, o envelhecimento, torna cada vez mais difícil o aprendizado de novas habilidades.
Os indivíduos variam muito em suas habilidades mentais, o que permite que certas habilidades sejam adquiridas mais rapidamente que outras, o que gera a grande diversidade de áreas do conhecimento que nos cercam.
Sempre buscando a excelência, o ser humano começou a se questionar como melhorar a aquisição e manutenção dessas habilidades, a fim de garantir êxitos profissionais e pessoais.
Essa busca por aumentar o potencial e desempenho humano é super antiga. Desde poções mágicas para garantir a imortalidade, força sobre-humana, potência e sabedoria caracterizam os mitos de muitas culturas. Inclusive no cinema, o uso de pílulas mágicas que tornam o indivíduo imbatível, frequentemente são abordados nos roteiros.
Obviamente que os cientistas também resolveram pesquisar sobre possíveis métodos melhoradores de performance e, com isso, um número crescente de indivíduos experimentam estratégias para superar criativamente as limitações naturais da capacidade cognitiva humana. Os resultados e pontos de vista são bastante controversos, gerando discussões polarizadas sobre o assunto, devido a falta de evidências científicas robustas.

Nootrópicos

A ideia dessa busca por melhoradores de performance se resume, grosseiramente, no seguinte: "Engula uma pílula e turbine seu cérebro". E é isso que os nootrópicos (nome dado a esses suplementos que visam estimular a criatividade, a memória e a capacidade cognitiva) promovem. A busca pelos nootrópicos cresceu muito nos últimos anos. Seja por conta de uma rotina mais acelerada ou pela constante pressão de ser O Melhor, O Mais Criativo e ainda O Mais Rápido.
Nos Estados Unidos, o FDA (Food and Drug Administration) classifica os nootrópicos como suplementos alimentares (mesma família do Whey Protein), e não regula o que os fabricantes escrevem sobre os benefícios. E aqui vale uma observação fortíssima: os suplementos alimentares não precisam passar por estudos farmacológicos controlados, ou seja, eles podem não cumprir as promessas anunciadas nas propagandas e embalagens.
No Brasil, desde 2011, boa parte das metanfetaminas (presente na maioria dos nootrópicos) foram proibidas pela ANVISA. Mas, os anfetamínicos emagrecedores (ex.: anfepramona, femproporex e mazindol), fazem parte da lista de substâncias controladas pela Portaria 344/1998, e desde 2017 tem a venda liberada sob prescrição e justificativa médica. Outro detalhe importante é que alguns nootrópicos são utilizados no tratamento de doenças como Parkinson, Alzheimer e TDAH (transtorno do déficit de atenção e hiperatividade).
Nos últimos anos, o crescimento no número de pessoas saudáveis que utilizam nootrópicos cresceu exponencialmente. Especialistas ainda alertam que muitas dessas smart drugs, como também podem ser chamadas, são vendidas no mercado ilegal.

Tônicos para o cérebro?

A literatura sobre o tema nos aponta que a grande maioria das estratégias para melhorar a capacidade cognitiva baseiam-se em intervenções farmacológicas. Porém, alguns estudos trazem dados bastante interessantes sobre medidas não farmacológicas como melhoradores de performance.
Um grupo de pesquisa da Universidade de Oxford do Reino Unido classificou os melhoradores de performance em três categorias: intervenções bioquímicas, comportamentais ou físicas. Nesse texto, abordaremos as intervenções bioquímicas, que é onde se encaixam as estratégias farmacológicas.
A estratégia mais antiga e clássica para melhorar a capacidade cognitiva humana baseia-se na ingestão de determinados nutrientes como, por exemplo, o açúcar e a cafeína (ambos com resultados positivos como melhoradores de performance).  Alguns produtos de origem natural, como o ginseng e a ginkgo biloba, também são apontados como substâncias nootrópicas, porém, até hoje nenhum benefício concreto foi descrito na literatura associado a eles.

Categorias dos melhoradores de performance - Intervenções bioquímicas, intervenções comportamentais e intervenções físicas. (FONTE: DRESLER, M., et al. ACS Chem. Neurosci. 2019).

Uma estratégia bastante comum é o emprego de substâncias de uso recreacional, como a nicotina - que melhora a atenção e a memória, e inclusive o álcool, como um melhorador da criatividade. Mas o coração dos nootrópicos farmacológicos está nos estimulantes de origem sintética, como a anfetamina, o metilfenidato, o modafinil, a memantina e os inibidores da acetilcolinesterase (ex.: rivastigmina).
No entanto, as evidências do real benefício dessas substâncias como melhores de performance ainda é incerto. Muito do que acontece com o uso dessas substâncias, e já relatado em estudos, é o efeito placebo. Um exemplo disso foi um estudo com voluntários que acreditavam ter recebido uma mistura com anfetamina que apresentaram um desempenho cognitivo nas tarefas solicitadas melhor do que os voluntários que realmente haviam sido medicados.
Os nootrópicos sintéticos mais conhecidos são o metilfenidato, a anfetamina, o modafinil e o piracetam. De todos esses, o piracetam é a substância com mais evidências dessa capacidade.
De uma maneira geral, existem outras inúmeras substâncias apontadas como nootrópicos, porém sem comprovação científica. Hoje em dia, é comum vermos propaganda de substâncias com a promessa de aumentar a concentração e o rendimento, mas como relatado acima, as indústrias que as produzem não possuem nenhuma obrigação de comprovar os benefícios que prometem.
O ponto final desse texto é o seguinte: substâncias que vão turbinar seu cérebro ou que garantirão que você use 100% da sua capacidade cerebral (um dos maiores mitos da neurociência!!!) não existem. O que existe são substâncias que são facilitadoras dos processos cognitivos, que garantem um melhor desempenho cognitivo. E o mais importante: SÓ DEVEM SER UTILIZADAS SOB PRESCRIÇÃO MÉDICA e ORIENTAÇÃO FARMACÊUTICA. Seu uso deve ser acompanhado de uma boa orientação e conscientização sobre essa prática.
REFERÊNCIAS: 1. DRESLER, M. et al. Hacking the brain: dimensions of cognitive enhancement. ACS Chem. Neurosci., v.10, p.1137-1148, 2019. 2. GOULIAEV, A.H., SENNING, A. Piracetam and other structurally related nootropics. Brain Research Reviews, v.19, p.180-222, 1994. 3. ROSE, S.P.R. 'Smart drugs': do they work? Are they ethical? Will they be legal? Nature Reviews Neuroscience, v.3, p.975-979, 2002. 4. WOLFGANG, F., MUHS, A., PFEIFER, A. Cognitive enhancer (nootropics). Part 1: Drugs interacting with receptors. Jornal of Alzheimer's Disease, v.32, p.793-887, 2012.

Marissa G. Schamne
Marissa G. Schamne
PhD | Cientista

Pesquisadora e professora universitária, farmacêutica por formação. Despertou o interesse pela pesquisa durante a faculdade na Iniciação Científica, que obviamente foi na área da neuropsicofarmacologia. Concluída a graduação, segue o caminho da carreira acadêmica e pesquisa até a co-fundação do Rigor Científico – onde encontrou uma maneira de expressar todo seu amor pela Ciência, e vislumbra a possibilidade de levar essas informações ao maior número possível de pessoas. Era uma pessoa tímida que conforme foi se inserindo no meio acadêmico encontrou uma forma de libertar-se dessa timidez, e agora matraqueia sem parar. Apaixonada pela natureza, esportes ao ar livre e a sensação de liberdade que isso traz. Gosta de viajar pelo mundo, seja através dos livros que lê ou das viagens que faz. Almeja alçar vôos mais altos divulgando ciência por aí.

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